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domingo, 17 de novembro de 2024

Minha querida morte!


 Minha querida morte a minha dor é tão funda que não a consigo escrever e tão pesada que os meus ombros não a conseguem carregar .

Espera-me um lugar escuro e frio no Inverno que se aproxima...no fim do fim. Fiquei á porta do tempo...cheguei tarde á vida ou nunca cheguei...apenas por cá passei. Frágil passageira do destino.
Não sei se já nasci ou se estou morta. Muito difusa essa fronteira quando penso que na morte há tanta vida e em todas as vidas mil mortes. Talvez haja prazer na morte e quando o amanhã não chegar é porque o meu tempo terminou e partirei serena. Não tenho medo da morte...tenho medo da vida.

Minha querida morte estou sentada á tua espera como quem regressa a casa. Nada sei da eternidade...nem do céu ou do inferno. Não compreendo este mundo. A vida é um mistério e a morte uma certeza e o tempo foi apenas um empréstimo. Eu não me pertenço sou apenas uma ilusão. Um ser mortal e efémero. Depois de mim a vida vai continuar e a paz sonhada tocará o meu corpo e vão existir encontros e despedidas...novas flores vão nascer e novos amores acontecer. Apenas a minha estrada chegou ao fim e tudo vai continuar sem mim. Cada dia que passa a morte é-me mais familiar. Talvez uma irmã ou uma prima chegada e como se a procurasse deixo os caminhos que não trilhei...a vida que não vivi.
Minha querida morte és a deusa do meu aconchego...o sossego do meu cansaço. Abraço-te e digo adeus ao mundo enquanto deitas as tuas asas negras sobre o meu corpo exausto...És uma presença silenciosa a quem estendo os meus braços e digo do meu cansaço...do peso da vida...do amor e da dôr...do que não disse...do que não fiz.
E agora dorme meu coração que a noite dos tempos está chegando e tu estás cansado desejando encerrar todos os sonhos que não te foi dado viver. Já sinto o perfume da terra e só tenho pena de não mais olhar as rosas nem sentir o vento suão da minha Planicíe a afagar o meu rosto. A minha voz não mais será ouvida...serei apenas lembrança.
Só me dói deixar quem me fez viver...pedaços de mim que vivem em outros seres. Meus três amores...sangue do meu sangue e carne da minha carne. Quem mais amei nesta vida. Foram o meu altar...a minha razão de viver.

E...quando não precisar mais respirar encontro a paz! Eterno Retorno.

Rosa Maria ( Maria Rosa de Almeida Branquinho )

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Calo os anseios!


 Calo os anseios...amortalho o desejo...sufoco o peito

Rasgo as palavras que me rasgam o corpo e anoiteço

Há um silêncio amargurado na solidão onde me deito

Mergulhada no abismo escrevo na alma este silêncio


Escorrem da minha alma rios de tristeza...gotas de dor

Escuros labirintos e desertos sem fim...sonhos perdidos

Lírios roxos presos nos meus olhos num grito de amor

Nos meus lábios sabendo a silêncio beijos adormecidos


Deito ao vento um adeus mudo que mora no meu olhar

Pelo último amor...pelo último sonho...pela última ilusão

Pelo passado e presente...pelo futuro que não vai chegar

A vida e a morte...rosa negra sepultada no meu coração


Silenciosa e triste junto os meus restos...pedaços de mim

Envolvo na solidão...fragmentos de céu negro e cansaços

No espelho enevoado do meu rosto procuro onde me perdi

Na noite que me cobre e me prende nos seus doces braços


O que a alma grita está no silêncio...no tempo que é noite

Nos meus olhos que são brumas...no coração que é vazio

Nos meus braços que são mar e onda enlaçando a morte

No fantasma deste amor...no abismo profundo deste rio


Caminho em silêncio na solidão da noite...passos errantes

Arde na pele este desejo...crava-se no peito esta escuridão

Cada espera é uma ausência...lamentos feitos de instantes

Há fantasmas nos meus sonhos...há vazios na minha mão


Rosa Maria ( Maria Rosa de Almeida Branquinho )

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Quando já nada importa


 Quando já nada importa. Digas o que disseres passa ao lado...as tuas farpas já não me ferem...a tua indiferença não me magôa. Já não há prazer nem dôr...estamos juntos e distantes...um abismo nos separa num caminho sem retorno.

Já nada tenho a perder...tudo o que poderia ter sido não existe...roubaste-me os dias...os anos...os sonhos e a vontade de estar...de ser.

Tudo foi efémero e já é tarde para recomeçar. Já não sei quem fomos ou se algum dia fui alguém para ti. As emoções estão gastas e as palavras nada dizem. O silêncio entre nós fere como uma espada perfurando o meu corpo e a minha alma.

Somos dois longínquos vultos...linhas paralelas que não se juntam...olhares que já não se encontram...bocas que não se tocam...mãos que não se enlaçam e corpos que adormecem distantes...vazios e ausentes.

Já nada importa...nada mais me inquieta. Cada dia que passa um pouco de mim morre. Já nem há mágoa...o meu corpo está entorpecido...não sinto nada.

Deixei de ser mulher...o frio que vem do teu corpo congelou o desejo que ardia no meu. O meu coração está seco e o amor que um dia senti morreu com a indiferênça.

A vida está passando e de ti nada mais espero. Eu não sou tua e tu não és meu...estamos presos no limbo de um passado que não volta...na nossa vida nada se consumou. O fosso que se abriu foi demasiado profundo como se fosse o túmulo da minha ilusão...o funeral de um grande amor.

Aquela mulher que se anulou como ser humano (porque estava apaixonada) já não existe. Essa mulher morreu quando a venda que tinha nos olhos caíu e finalmente vi que o que tinha sonhado só na minha cabeça existia. O principe idealizado só nos meus delírios era verdadeiro. Foste um remédio amargo que fui bebendo dia após dia...ano após ano...gota a gota...lentamente.

Hoje apenas há silêncio entre nós. Um mudo diálogo sem palavras e sem gestos...dois estranhos vultos sombrios e gélidos que se olham sem se ver...que se tocam sem sentir.

Rosa Maria ( Maria Rosa de Almeida Branquinho )

sábado, 28 de setembro de 2024

Sou o anjo triste que te procura!


 Sou o anjo triste que te procura e tu o canto suave do vento

Sou talvez a alma que te enlaça na escuridão da noite dolente

Sou a sombra da tua sombra vagando de lamento em lamento

Sou talvez a estrela cadente que na noite te alumia docemente


Sou a filha eleita da noite...do luar a ténue luz amortecida

Uma estrela solitária ecoando pelos céus as minhas mágoas

Num murmúrio em silêncio...vagueio de penumbra vestida

Entre o crepúsculo e a alvorada escrevo teu nome nas águas


Sou um retrato amarelecido...espelho de outra vida...outro eu

Pedaços de quem queria ser...restos adormecidos de quem sou

Uma recordação ténue e distante...daquela que fui e já morreu

Um rosto entardecido de uma Primavera que o tempo apagou


Sou flor ao vento...folha de Outono arrastada pelo vendaval

Derramei as cicatrizes...mastiguei espinhos e lambi as feridas

Perdida de mim apaguei as ilusões e desenhei a negro o olhar

Nas mãos prendi o tempo...na noite deixei as rosas esquecidas


Sou o que de mim restou...pedra parada por dentro do tempo

Na imensidão do vazio...no avesso de mim...no lugar do nada

Onde os caminhos não têm saída erra meu corpo em lamento

Vestida de desalento...alma perdida nas brumas da madrugada


Sou um rio sem foz...um turbilhão...um corpo sem margem

A gargalhada da vida...a agonia da noite...a dança da morte

Despenhei-me no abismo e desenhei na bruma a tua imagem

Adormeci a mágoa...estanquei o sangue e caminhei sem norte


Rosa Maria ( Maria Rosa de Almeida Branquinho )




terça-feira, 10 de setembro de 2024

O que escrevo é o grito da minha alma!

O que escrevo é o respirar do meu corpo...o grito da minha alma...o bater do meu coração...o sangue das minhas veias a escorrer das minhas mãos...tão branco como as memórias do tempo...tão negro como a dor que guardo no peito.

O que escrevo são escombros que já foram casa...silêncios que foram olhares...mudas palavras que só eu entendo...murmuradas em silêncio ou gritadas como se fosse o gemido da minha dor...mágoa que escorre gota a gota do meu coração...cinzas ardidas de cartas de amor impregnadas de nostalgia...entre o cinza e o azul.

O que escrevo é um canto profundo...lágrimas que escorrem do fundo da minha alma...retalhos dispersos do meu sentir...pedaços de mim tão cheios de nada e tão carentes de amor.

O que escrevo são palavras que me queimam as mãos...espinhos que me afagam a pele...lembranças aprisionadas que sangram e corroem o corpo e a alma...silêncios que trago amordaçados na boca...gritos presos na garganta como se fossem murmúrios de amor soluçando um suave pranto...um doloroso gemido.

O que escrevo são palavras pedra...palavras cal...palavras cinza...sombrias como a noite que me veste...a penumbra que me cobre...o silêncio que me dói...os espinhos que me ferem a carne...as mágoas que me rasgam a pele.

O que escrevo é o espelho de mim...o desnudar da minha alma...escuros labirintos por onde os meus sentidos me levam em lembranças dispersas...palavras adormecidas que trago a morrer-me nas mãos...um poema a sangrar-me no peito como se fosse um espinho que dói e magôa até ao mais profundo do meu ser.

O que escrevo é apenas cansaço...em cada palavra algo em mim morre e se desfaz como se fosse uma flor seca dentro de um livro guardado no tempo...um poema que ficou na memória como se fosse uma prece silenciosa que murmuro nas noites sombrias onde me encontro e fico inteira...como se fosse uma libertação...sentir o sangue correndo nas veias como lume queimando-me a carne...um punhal dilacerando-me as entranhas num doloroso silêncio onde me encontro comigo e é nesses momentos que a minha alma se liberta de mim e se entrega...nua.

Rosa Maria ( Maria Rosa de Almeida Branquinho )


domingo, 25 de agosto de 2024

Quando eu morrer!


 Quando eu morrer...quero repousar na minha planície dourada

Num manto de rosas vermelhas...deixa o meu corpo descansar

Rasga os silêncios e envolve-me num doce manto de alvorada

Deixa-me enfim meu amor...voltar ao meu Alentejo sem mar


Quando eu morrer...em branca espuma minha alma vagará

Vazia sombra...beijo de mar e pranto...eco da minha saudade

Porque demoras tanto brisa suave...doce vento que me levará

Quando um dia partir...pousa leve no meu corpo a eternidade


Quando eu morrer...cobre o meu rosto com o véu da saudade

Deixa nas minhas mãos um afago...no meu corpo rosas e lírios

Envolve-me num poema que fale de amor...de céu e eternidade

Deixa nos meus braços os sonhos...pedaços dos meus martírios


Quando eu morrer...ninguém fale da minha solidão...da dor

Vai para a terra comigo envolta na negra noite...no fim do fim

Vestida de saudade e de sonhos voarei no regaço frio do amor

Num corpo que não me pertenceu...volto ao lugar donde parti


Quando eu morrer...as minhas asas serão de sonhos e paz

Será de mármore o meu olhar...perdido no tempo...no nada

Levarei os meus anseios que deporei onde o meu corpo jaz

De alma nua partirei serenamente nos braços da madrugada


Quando eu morrer...volto à luz...volto ao pó...volto ao nada

Liberto e sereno vai repousar meu corpo enfim na terra fria

Fui uma sombra que pelo mundo passou triste e amargurada

E quando de mim nada mais restar...procurem-me na poesia


Rosa Maria (Maria Rosa de Almeida Branquinho)


quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Não sei se quero que o tempo me dê mais tempo!

Vim do fundo do tempo antes de ser vida e regresso a mim como quem volta ao ninho materno...ao aconchego da ternura. Sou uma ave que desistiu de voar. Sou o chão onde todos pisam...já nada me pertence nem o meu nome é meu. Sobrou tão pouco de tanto.

Dei tantos passos viajei por tantos mundos sem destino certo...lá longe no tempo onde a memória me sorria e as madrugadas tinham cheiro de alecrim e o meu corpo jovem flor.

Voltei ao outro lado do tempo onde todo o meu corpo era juventude...o meu rosto formosura e as minhas mãos pequeninas ainda estavam cheias de sonhos como se a vida fosse eterna e o amanhã uma suave Primavera onde queria escrever uma linda estória de amor...deixei que o fogo me beijasse nesse amor primeiro e tive tanta saudade de mim.

Aceitei que nada sei do tempo...tanto caminhei e não cheguei a lugar nenhum... Fechei os olhos à vida e tive de aceitar que o meu corpo envelheceu... que o meu rosto perdeu o brilho...que os meus olhos se vão fechar e que o meu reino não é deste mundo...é do lugar de onde não se volta.

O tempo tudo apaga e é tão tarde...dei ao tempo tudo que sou e já não sei que sonhos tinha. Tudo é fugaz...a vida é apenas uma passagem...uma tão breve passagem. O tempo não espera...tudo será eterno num instante.

Já não procuro o perfume das flores nem a doce suavidade das rosas

afagando a minha pele envelhecida pelo tempo e fustigada pelas dores da vida.Trago uma dor calada no fundo da alma e o cansaço de mais um dia...mais uma noite adormecendo em cama fria...gelando-me o corpo e a alma como uma lápide.

E se alguém disser que morri...vistam o meu corpo de diáfana seda e de rosas vermelhas cubram o meu leito eterno e não deixem que o meu rosto se dissolva no escoar do tempo. Chamem o meu nome para sentir que existi e fui alguém que por este mundo passou...sombra...mulher ou ave.

Hoje...apenas hoje quero adormecer perto de mim!


Rosa Maria (Maria Rosa de Almeida Branquinho)



sábado, 27 de julho de 2024

Cansaço


 Tenho no corpo cansaços...nas mãos pedaços de vento

Nos meus braços embalo desejos bordados de carmim

No peito flores envelhecidas...tecidas de dor e lamento

Nos meus olhos trago soluços e tanta saudade de mim


Adormece o meu corpo nas folhas de Outono envolto

Foi sol nascente...hoje é ocaso pelo tempo entristecido

Habitado por silêncios e vestido de penumbra jaz morto

Esperando a eternidade vai vivendo de saudade vestido


No meu corpo te esperei...na tua ausência me chorei

Na minha loucura te chamei como se chamasse a vida

Em cada poema te escrevi...em cada rima me desnudei

Em cada gole de solidão que bebi...sangrei esta ferida


Os anos passaram...os desenganos...as noites e os dias

Os sonhos que se desfizeram...as ilusões que morreram

Os carinhos que se perderam... nas noites tão sombrias

As rugas e os cansaços que meus olhos entristeceram


Morrem-me na memória...as Primaveras que não vivi

Num grito de despedida que tristemente grito ao tempo

Num beco escuro deixo escrito a sangue tudo que senti

Labirinto sem saída...passos perdidos do meu lamento


São lírios os meus olhos...magoados e tristes...sem vida

Negros e sombrios são da dor a agonia do amor a solidão

São o silêncio da noite escura...duas portas sem guarida

São da luz a escuridão...estrelas cadentes na imensidão


Rosa Maria (Maria Rosa de Almeida Branquinho)





terça-feira, 9 de julho de 2024

É por mim que grito


 É por mim que grito em cada anoitecer...em cada sonho...em cada noite triste e solitária...em cada amanhecer cansada e vazia.

É por mim que grito em cada novo dia...sou eu que desnudo a alma em cada palavra que escrevo...em cada silêncio que calo...em cada morte que me devora o corpo.

É o meu nome que chamo num sítio escuro e ermo dentro de mim...é a carvão que me escrevo...é a negro que me pinto na lápide fria onde me deito...no nevoeiro que me encobre e me esconde da vida.

É por mim que grito em cada olhar vazio...é com sangue que me escrevo e descrevo e é aqui neste papel amarelecido que dispo o meu manto e grito os meus sonhos...que deixo o meu pranto...que sepulto as minhas sombras e entendo as minhas mãos vazias...é aqui que deixo restos de chamas esquecidas por dentro do meu corpo.

É aqui que sou uma sombra sem nome...que grito à noite a urgência da pele...que sorrio tristemente de lábios frios e mãos vazias...que o silêncio me queima e a morte me dói...o vazio me sufoca...o negrume se desprende do fundo dos meus olhos e o espelho escurece.

Deixei as palavras escorrerem sangue com que me escrevo...desnudei-me em cada verso...chamei-te em cada rima...voei e perdi-me em cada letra...morri em cada poema...em cada lágrima que desagua em cada prosa...em cada silêncio nas entrelinhas de cada traço...em cada sussurro onde escrevi todos os sonhos de amor.

Guardei todas as palavras dentro dum livro onde não estás...numa estrada de silêncio onde não me encontro...num poema tecido de amor e amarelecido pelo tempo...envolto na penumbra das minhas mãos onde escrevo os teus passos num verso sem nome onde deixo uma lágrima morrer dentro de mim.

É aqui que relembro os meus sonhos adormecidos sepultados neste papel lido e relido. É aqui que choro pela vida e chamo pela morte.


Rosa Maria ( Maria Rosa de Almeida Branquinho )

sexta-feira, 28 de junho de 2024

Amor Efémero


 É tão efémera a carne meu amor...como efémero foi o amor

Rasgando-me o corpo como punhal...sob o lençol de mágoa

Onde a dor anoitece em silêncio e o espinho adormece a flor

Que repousa na solidão tão fria como fria é esta doce lágrima


Que escorre tristemente do meu olhar inundando de penumbra

O meu rosto que chora por ti amor...ou será por mim que chora

No instante efémero em que me vejo menina vestida de espuma

Desabrochando rosa em botão...como se o tempo fosse o agora


É tão efémera a madrugada...como efémera uma noite de amor

Deitada sobre a tua sombra...repousa a minha alma já dormente

Nas minhas mãos já sem corpo...no meu rosto marcado pela dor

Adormecido nos teus olhos...onde vai envelhecendo lentamente


É tão efémera a paixão...como efémeras foram as rosas rubras

Que me adornaram na Primavera e que me vestiram de ilusão

Neste corpo que já foi rio e hoje é margem de negras espumas

Tão efémeros foram os sonhos...tão frio e chuvoso foi o Verão


Tão efémera foi a tua boca...como insaciável foi a minha sede

Silenciosa foi a minha espera pelas mãos que não me afagaram

Tão efémeras foram as horas em que fui em ti um amor ardente

E foste em mim presença ausente...restos que em mim ficaram


Tão efémero foi o sorriso que levemente aflorou ao meu rosto

Foi tão breve esse instante...tão doce esse momento de ternura

Como efémeros os dias em que senti na pele o calor de Agosto

Foi tão breve esse tempo em que me entreguei inocente e pura


Tão efêmeros os momentos em que a minha pele acariciaste

Como se fosses um corpo sem vida...uma perdida lembrança

Onde ardeu a nostalgia dessa mulher que em vida sepultaste

Tão efêmera a ilusão...como efêmero esse sonho de criança

Rosa Maria ( Maria Rosa de Almeida Branquinho)


quarta-feira, 19 de junho de 2024

O que ficou da infância


O tempo leva o perfume de todas as flores...mas o perfume dos sonhos vai ficar para sempre no fundo do meu olhar...nas feridas que se colam na pele...numa aurora silenciosa onde guardei as pétalas que um dia afagaram o meu corpo. Fui flor no jardim da infância...serei mar...terra e luar. Beberei a vida procurando a felicidade mesmo que apenas por um instante...sonho ou ilusão.

Gosto de lembrar as searas maduras...as papoilas e as cigarras e o meu corpo de menina correndo por esses campos ao sol de Agosto e beijada pelo vento suão.

Quero ainda regressar à casa da minha infância…as primeiras ilusões...as primeiras lágrimas de amor...os primeiros versos como se o tempo não tivesse passado...como se os espelhos não me dissessem que é tarde...que o meu rosto perdeu a beleza...apenas naquela moldura sou eu. O resto é saudade.

Deixem-me sonhar...não me despertem e quando as minhas pernas não me sustentarem deixem-me sentir as emoções da minha juventude que guardo seladas no meu coração num tempo distante onde no meu olhar havia brilho e na minha boca um sorriso feliz.

Depois de tanto tempo devolvam-me a leveza da infância...deixem as rosas florirem no meu corpo e as mãos de minha mãe afagarem o meu rosto tão fustigado pela vida. Não sei quando cheguei nem quando parti. Não tenho memória do último beijo...do primeiro amor ou do último gesto de ternura.

É tarde e eu deixei de esperar essa felicidade que todos procuram e poucos encontram...é um sonho perdido...um caminho sem saída.

Tenho uma visita adiada à casa da minha infância e uma despedida por fazer à minha doce planicíe para ver novamente o vermelho sangue das papoilas salpicando o manto amarelo dos pimpilhos e o doirado das cearas.

Entreguei a minha vida ao tempo e o tempo roubou-me o sono da infância onde o meu mundo era eterna Primavera e eu um breve botão de rosa querendo florir. Mas o tempo passa e não vai só...leva com ele as memórias de uma vida...as mágoas e as ilusões. Tudo arrasta com ele.

O que fica de mim é o meu sangue em outros seres que são carne da minha carne...o meu mais belo poema de amor.


Rosa Maria (Maria Rosa de Almeida Branquinho)



terça-feira, 11 de junho de 2024

Trago as minhas mãos geladas


 Trago as minhas mãos geladas com o frio que vem das tuas

Embalando a dor que adormece no meu corpo...tão cansado

Cheio de silêncio e frio nas longas e solitárias noites tão nuas

No inferno da carne afagando a solidão que dorme a meu lado


Trago a noite presa nos meus dedos gemendo infernos de dor

Neste manto que arrasto na penumbra do meu frio entardecer

Neste leito de amargura onde vou bebendo o veneno do amor

Como se fosse um abraço mortal que me faz morrer e renascer


Trago no meu corpo lembranças dum tempo que não vai voltar

Folhas escritas com o sangue da paixão...que o Outono despiu

Gestos adormecidos nas minhas mãos tão dementes de esperar

Que um vento suave venha acariciar a minha pele cheia de frio


Trago na alma esta vontade de infinito...esta sede de vastidão

Este desejo de fechar os olhos e adormecer além do horizonte

Levando comigo todas as mágoas e os sonhos fechados na mão

E assim caminhar na calma do entardecer...triste como a noite


Trago dentro do meu coração uma rosa vermelha a sangrar

Um doce travo de veneno onde bebi toda a solidão do mundo

No meu rosto trago a lonjura do tempo que passou sem ficar

E deixou no meu corpo um vazio infinito...um grito profundo


Trago no peito um oceano de incertezas...um mar de sargaços

Um coração em chaga...uma ferida a sangrar...espinho a doer

Num lençol de mágoa um abraço quase vento nos meus braços

No meu olhar trago uma gota de ternura e uma lágrima a correr


Rosa Maria (Maria Rosa de Almeida Branquinho)










quinta-feira, 14 de março de 2024

A casa Mãe e tu dentro!


 A casa Mãe e tu dentro...eu menina com medo do mundo e tu abraçando a vida com coragem...e a memória de vozes perdidas no Outono de folhas pisadas que escondeu a tua voz...e a saudade que cabe numa lágrima e tu Mãe respirando nessa casa...respirando no meu peito e depois sobre o meu ombro...o corredor e as cadeiras onde batias na pressa de beber a vida e a lareira onde ao serão desfiavamos os nossos sonhos...o quarto e a cama onde nasci e criança adormecia nos teus braços.

A casa Mãe e tu dentro...de cinzas pelo chão e na parede o retrato...nas minhas mãos a lembrança das tuas. Fecho os olhos e dentro de mim ainda te vejo no lugar onde não existe tempo. Mãe sem ti tem sido muito difícil atravessar a vida onde a tua ausência nunca acaba e os teus passos ressoam nos meus sentidos num caminho sem regresso...Mãe tenho saudades de ti...de mim e do tempo...saudades do que nunca te disse e pena do que não me disseste. Desculpa Mãe por só agora te entender...queria voltar a ser criança e tu Mãe seres eterna.

A casa Mãe e tu dentro...quem saíu pela última vez e para sempre fechou a porta e eu mulher de cabelos da côr das nuvens...de rosto marcado pela vida e coração gasto pelo tempo.

Estou só de passagem Mãe e vou ao teu encontro...a vida é árida sem ti. Queria tanto que me desses a mão e me levasses docemente de regresso à infância...ouvir a tua voz a chamar por mim...aconchegar-me no teu peito e sentir de novo a quentura de um abraço a ternura de um beijo.

A casa Mãe e tu não estás...as lágrimas já não doem e a saudade é uma certeza que me vai acompanhar até ao fim e eu tão cansada desta jornada tão longa. Apenas restou o tempo que me fala de memórias de um outro tempo em que o meu sorriso era feliz e tu o meu aconchego.

A casa Mãe já nada me diz...essa casa que era o melhor lugar do mundo só porque tu estavas lá. Agora sou uma estranha...são só paredes que comigo cresceram...que respiram passado e cheiram a saudade e onde só dentro dos meus olhos está o teu rosto...o resto é silêncio.

Mãe! Está tão longe a inocência.


Rosa Maria (Maria Rosa de Almeida Branquinho)

domingo, 11 de fevereiro de 2024

À margem da vida...


 À margem do meu corpo a vida a escorrer entre os dedos

Como um rio de águas lamacentas...um abraço de vazio

O silêncio preso nas mãos...o inferno da almas...os medos

As brumas...as sombras e o nevoeiro que envolve este rio


Entardeci...sou a noite adormecida...o silêncio gemendo

Um rosto sem idade...um sorriso sem cor...olhar sem luz

Um murmúrio sem voz e esta solidão em mim crescendo

Caminhando por entre as brumas carrego a minha cruz


Tudo é tempo...tudo é breve...uma noite num momento

Desfolhei a vida num palco onde nunca me encontrei

Escrevo-me e reescrevo-me e fico assim folha ao vento

Entre o mar e a tempestade no cais da ilusão naufraguei


Perdi o norte...no caminho agreste gastei meus passos

Fiquei em ruínas e esvaziei-me numa casa assombrada

Nua de mim...envolvi-me no silêncio dos meus braços

Deixei ficar no caminho a menina vestida de alvorada


Guardo nas mãos um grito...silêncio que o tempo deixou

Entre o céu e o infinito entre o amanhecer e o entardecer

O futuro...passado e o presente tudo em mim naufragou

Vida e morte...uma eterna ilusão num verso por escrever


O meu rosto é um espelho onde não me vejo não me quero

O meu olhar pétalas negras onde a claridade vai morrendo

O meu coração é um cais deserto onde já não me espero

A minha alma é lago negro que o tempo vai escurecendo


Rosa Maria ( Maria Rosa de Almeida Branquinho)