Sou também a sede da planura...a inquietação do fogo queimando a terra...a raíz profunda do aloendro na margem do rio...o latejar das pedras silenciosas...sacrário de todos os gritos...murmúrio de todos os silêncios...abandono de todos os esquecimentos...matéria morta como eu.
Sou a sombra da claridade acariciando a dor no pó dos caminhos... o soluço de todos os instantes...a inquietude de todos os momentos que trago colados à pele...a essência do que sou...o sangue da terra onde pertenço...memórias e cheiros que guardo docemente dentro do meu coração e deixo-me ir nesse embalo...nesse voo para além do tempo.
Sou a ave ferida esvoaçando na solidão desse céu imenso com uma sede infinita de liberdade...uma vontade insaciável de voar para o regaço de todos os sonhos...para a paz de todos os instantes bordados a fios de silêncio e perfumados de crepúsculos.
Trago em mim a insaciável ânsia das lonjuras...a sede profunda de querer...o desejo do além...a atração do abismo no deserto que percorri desfolhando as rosas que esqueci no tempo...os espinhos que dentro de mim guardei...os versos que deitei ao vento...os sonhos murmurados nas noites sem fim.
Sou a planície que em mim chora a menina que fui na mulher madura que sou...uma flor desmaiada a entardecer como se fosse um grito de amor ecoando na solidão dessa planície onde vestida de seda fui princesa dum castelo sem morada e onde teci sonhos que se defizeram em espuma como se fosse a vida a apagar-se do meu olhar.
Sou a filha eleita da noite...sou do luar a ténue luz amortecida...um céu anil que brilha no meu olhar como o sol abrasador da minha planicíe dourada que me enleia e me veste de nostalgia e os meus olhos se fecham em oração quando em silêncio a ela me entrego como se fosse a noite morna que afaga o meu corpo numa doce loucura embalando os meus sentidos...numa eterna melodia onde a minha alma repousa suavemente como se fosse o doce leito da eternidade.
Talvez um dia volte a percorrer os caminhos da memória e deixar-me levar como se fosse uma brisa suave afagando as papoilas vermelhas de sangue...as searas verdes de esperança como se fosse um voo no tempo...uma lembrança dolorosa e serena que vou guardar para sempre no meu coração.
Rosa Maria (Maria Rosa de Almeida Branquinho)