Deixem-me gritar...pelos
sonhos que de negro se vestiram
No abismo do hoje sem
amanhã...neste barco a ir ao fundo
Nesta janela de liberdade
que os cravos de Abril abriram
Pela carne
retalhada...clama poeta o teu grito ao mundo
Deixem-me gritar pelo
tempo de secura...as mãos vazias
Pelos orfãos da
esperança...pelos sonhos pisados no chão
Chorando Abril nascido em
flor...feito de esperas e utopias
Abre os olhos meu
povo...não deixes que tudo fosse vão
Deixem-me gritar...pelo
tempo futuro...de nuvens coberto
Pela liberdade com
fome...gritai poetas a noite deste povo
Lutai meu povo na rua...de
punhos cerrados e passo certo
É tempo de ressuscitar
Abril...é tempo de nascer de novo
Deixem-me gritar...pelas
Catarinas que clamam em nós
Desfraldem poetas a
bandeira das palavras...digam NÃO
Pelos que não sabem
gritar...emprestem-lhe a vossa voz
Soltem as palavras
poetas...que trazem guardadas na mão
Deixem-me gritar ...pelos
filhos da miséria...da escravidão
Por todos os homens que
dormem nos braços da incerteza
Deixem-me gritar...pelas
crianças a quem roubaram o pão
E pelas mães que embalam
os filhos no regaço da pobreza
Deixem-me gritar...pelos
grilhões que nos esmagam dia a dia
Por esta raiva que me
cresce no peito e esta ânsia aprisionada
Correndo à rédea solta
como um bramido de silêncio e agonia
Deixem-me apenas
gritar...por um Abril que já foi madrugada
Deixem-me gritar...pelos
cravos que de negro se cobriram
Pelas promessas rasgadas
com o chicote da desigualdade
Por todas as mães que
choram...pelos filhos que partiram
Deste chão que é
nosso...deste povo que já gritou liberdade
Não deixes poeta que a
palavra emudeça num grito sufocado
Grita poeta...as tuas
armas são as palavras...faz delas punhal
Faz desse Abril o mais
belo poema de amor jamais cantado
Que nunca mais as vozes se
calem...que se cumpra Portugal