Sou amante da noite...num misto de amor
e raiva...de ternura e ódio...embriago-me da tua escuridão...bebo
as trevas...saboreio a sicuta que me ofereces...cálice doce e
amargo que bebo pelas vielas negras da desilusão...fazes-me meretriz
e escrava do teu abraço doloroso e frio...do teu beijo de fogo e
mágoa invadindo os meus silêncios...profanando os meus
sentidos...tocando as minhas mãos e bebendo do meu corpo o sangue
que escorre dos gestos adormecidos...escurecendo as vestes vermelhas
da paixão num eterno grito de amor e dor...numa lava incandescente
escorrendo do teu leito adormecido...sem palavras...sem
promessas...sem amor...apenas tu noite...deitada sobre o meu
corpo...me deixas carícias de vento
À noite me dei...à noite que me rasga
e me redime...que me devasta e acarícia...veste-me de negro e alúmia
o abismo que me chama numa suave sedução...numa voz envolvente onde
me perco e me entrego...nua de mim...vestida com as cinzas que
derramas nos meus sonhos...véu negro onde me envolves e me prendes
numa teia invísivel numa infinita submissão.
És paraíso e inferno...instante
derradeiro onde descanso o meu pobre corpo...tão nú de
carinho...tão sedento de eternidade...tão transbordante de
lamentos...tão enamorado da tua escuridão...da tua doce solidão.
Sou a tua ninfa perdida...e tu noite és
a musa da minha poesia...o manto de veludo no mar tempestuoso do meu
peito...a muralha de silêncio entre o gesto e as demoras...a
derradeira margem entre o sono e o sonho...o véu negro do meu
despertar...a muda inconciência da carne...o túmulo dos meus
desejos...o espelho do meu entardecer...a sepultura dos meus
anseios...o exílio dos meus devaneios...a morte das minhas quimeras.
Nas tuas palpebras...chorei
Invernos...desfolhei todas as mágoas...rasguei na minha pele o
tempo...através das tuas sombras me dei à dor...na placidez da
aurora a ti me entreguei...tão nua...tão tua.