terça-feira, 2 de maio de 2023

Partirei com as andorinhas


 Partirei com as andorinhas para um lugar onde o calor do sol me aqueça procurando algo que não recordo...serão asas...talvez rosas ou a ternura de um olhar perdido naquele momento que nunca aconteceu. Coisas vãs ou importantes...memórias de outros dias onde a alma é a essência de tudo que existe aqui e além do que os nossos sentidos alcançam.

Despeço-me de mim e deixo para trás a dor...estar aqui ou ali que importa se a memória arde como um vulcão. É-me indiferente que o meu corpo queime como se no inferno estivesse...que os meus pés caminhem sobre brazas ou caindo no abismo...fugindo de mim...da vida e do mundo.

Despeço-me de mim, mas para onde vou que não vá comigo e ir comigo é carregar uma bagagem que me pesa como chumbo...lembranças de tudo que não regressa...de tudo que não fui e de tanto que procurei sem um lugar para chegar...sem um regaço para descansar.

O tempo é nada e os meus olhos sem luz...as minhas mãos sem gestos e os meus braços sem forças nesta viagem tão longa neste lugar tão escuro dentro de mim onde já não penso nem sinto. Porque o mundo é um deserto...um surdo pranto de sofrimento e dor.

Arrasto as asas em terra e já nem quero saber o sentido da vida...nem o acto de respirar...nem o adeus mudo do meu olhar despedindo-se em silêncio das dores antigas e apagando tudo à minha volta...nomes e rostos...lugares e cheiros vão-se desvanecendo e o perto é tão longe e a vida doendo tanto nesta estrada tão longa e os meus passos já sem forças para me acompanharem na subida tão íngreme...buraco sem fundo.

Quero abrir as asas e voar para esse infinito onde mora a eternidade. Aqui tudo me pesa e o tempo venceu-me num amanhã que não existe...onde cada dia que passa é mais um passo para o fim e deixo-me ir procurando a paz que só se encontra num outro espaço num outro tempo de onde não se volta.

Não sei para onde vou ou se existo...percorri tantos caminhos, enfrentei ventos e tempestades. Vi os meus sonhos tombarem como um castelo de cartas e meu corpo envelhecer e a minha alma sepultada num palmo de terra fria...ruína de um coração procurando forças para a última viagem.

E sei que por mais que eu caminhe não encontrarei os lugares que foram meus...o encantamento que só a inocência e o olhar puro da criança que fomos nos faz sentir...Tão longe e tão perto de mim.


Rosa Maria (Maria Rosa de Almeida Branquinho)