Mergulho em mim como se fosse o rio que
percorre os meus medos...as minhas alegrias...as minhas
tristezas...um mergulho no abismo onde não me consigo
encontrar...num labirinto a que não consigo dar nome...num caminho
entre o consciente e o inconsciente...entre o vazio e o nada.
Neste mergulho em mim...abracei o tempo
esquecido e voltei aos lugares onde a esperança era um campo de
papoilas...o meu corpo tinha ânsia de viver e cheiro de
madrugada...os meus sonhos tinham asas douradas e o silêncio era uma
suave melodia...um doce adormecer na noite perfumada de mistério
onde me sonhei menina vestida de tempo.
Neste deambular errante...nesta saudade
de mim tombou sobre o meu corpo a última gota de orvalho...sobre os
meus olhos desceu a noite imensa e fria onde queimei os últimos
sonhos...todas as certezas e todas as mágoas num travo amargo de
silêncio...cinza esmorecida da menina que fui...ilusão da mulher
que sou...na flor que se fez pedra parada por dentro do tempo
Respiro ainda mergulhada num mar de
ausência...revolvendo a terra húmida que me prende o corpo...nas
mãos que me emudecem os gestos...nas esperas que sabem a fel...na
noite que cheira a solidão...na procura que trago nos dedos...nas
ilusões tatuadas na pele...nas mortes escritas no tempo...nos
castelos que ergui nas areias e que o vento derrubou e o mar
sepultou.
Mergulho fundo...tão fundo por dentro
de mim e dispo todas as palavras...queimo todos os silêncios na
esperança de me encontrar...horas e horas a fio me procuro com o
olhar vestido de bruma...com os sentidos enevoados percorrendo os
corredores da alma onde uma onda de silêncio me faz mergulhar ainda
mais dentro de mim...num último gesto antes que o meu corpo seja
pó...que o meu nome seja apenas uma mera lembrança...um ténue
perfume que se desvanece num sopro de vento.
Não sei onde me levam os meus
passos...se ao meu encontro ou à minha partida...se ao céu ou ao
inferno...se à noite que trago dentro de mim ou à madrugada onde me
procuro sem encontrar fim nem luz...um espelho ilusório onde
permaneço como um corpo sem rosto...uma alma sem mim.
E...toco suavemente o limbo onde o meu
corpo está preso...adormecido pelo tempo sem paz...sem
descanso...silenciosamente inquieto e devastado pela chama que se
tornou na cinza dos meus sonhos e pergunto-me onde me perdi...onde
deixei os meus anseios na vida que está a anoitecer...para lá da
linha que quero e não quero transpor...nesse abismo que me
chama...nesse fio de luz que repousa sobre o silêncio onde me deixo
estar adormecida...tão longe de mim...num eterno sono.