Talvez amanhã o inverno se vá...a primavera regresse ao meu peito...a noite escura se faça enfim madrugada...talvez amanhã a claridade seja o regaço onde acorde...entre a terra e o céu...à beira do abismo...talvez encontre uma razão para sorrir...num voo breve encontre na noite um resto de sol...o luar me acaricie o rosto...e o meu olhar silencioso embale o meu sonho...a ilusão percorra o meu corpo sem deixar o gosto amargo do fel...a minha boca transforme o grito num doce e terno murmurar...talvez amanhã o silêncio do vento me cante uma melodia de amor...a dor perdida no passado seja apenas o eco de uma memória.
Talvez amanhã me consiga despedir do último sonho...da última ilusão...das últimas palavras que me ferem...sepultar a última lágrima e partir de mim em silêncio...levando a derradeira dor...e esta sensação de cansaço...apenas uma passagem...bebendo um tempo vazio...num livro que se fecha...folheado vezes sem conta...abandonado num caminho sem fim...onde não me encontro comigo...sou apenas o meu reflexo num espelho embaciado...onde vejo uma triste imagem que desconheço...uma porta que se fecha...espaço que medeia entre o infinito e a eternidade...onde já não há palavras...apenas silêncio.
Talvez amanhã consiga esquecer...apenas esquecer...plantar flores na aridez do deserto que me tem...esquecer nomes...descançar as mãos...rasgar as palavras...desprender os nós que estão presos nos meus dedos...largar as correntes...regressar a mim como quem volta ao regaço da infância...aos sorrisos dourados...aos meus olhos de madrugada...à minha pele de Maio...ao meu espelho de Agosto...e entrelaçar no meu olhar uma noite de luar...abrir a porta ao tempo...derrubar o muro...soltar as amarras e olhar em frente para não cair no abismo...tatear com passos firmes as pedras do meu caminho...talvez amanhã...volte enfim a ser dia.
RosaSolidão