Hoje...só hoje...apetecia-me escrever sobre asas...céu azul...amor eterno...sobre o tempo...o amanhecer...a luz e a sombra...sobre o espaço que se abriu entre os corpos...não me tenho...não te alcanço....céu está tão longe...o abismo tão fundo...hoje sou noite.
Hoje não me apetece sorrir...queria apenas ser asa e voar no infinito...ir com o Vento...ser eternidade...voar na imensidão...partir de mim.
Hoje não me tenho...não tenho poemas...as palavras são um sonho de papel...rompendo o silêncio de todas as vozes sem rosto...de todas as noites sem luz.
Hoje queria beijar o amanhecer...envolver-me num abraço...atravessar a noite...aconchegar-me em mim...e deixar-me ficar assim...tão nua...tão carne...tão só...hoje queria apenas...ter-ME.
Hoje queria ser um céu sem nuvens...o azul do mar...a madrugada calma...a chuva fresca a escorrer no meu corpo nú...ser o sol da poesia...a luz na escuridão...o poente da alvorada...hoje queria apenas SER.
Hoje queria tocar o céu...subir a montanha...fugir da sombra...queria inventar-me...inventar-te...ser sonho...ser fantasia...ser desejo...ser corpo...ser Mulher...mas sou apenas grito.
Hoje...o céu cobriu-se de cinza...o dia anoiteceu...fechei a porta aos sonhos...guardei-os bem fundo no meu peito...entrelaçados com a tua lembrança...perdidos de mim...ausentes de ti...guardei-os no silêncio das palavras...no vazio do meu rosto...na escuridão do meu olhar.
Hoje...amortalhei-me...rasguei a vida...fiz-me apenas recordação...apaguei todas as mágoas...escrevi todas as memórias...rasguei todos os poemas de amor...amordacei todos os gritos no meu corpo...hoje vesti-me de amargura.
Hoje...apenas hoje...deixem-me ficar assim...despida de mim e vestida de Outono...cheia de amor...e as mãos vazias...os braços sem mim.
Hoje quero ficar no frio das
noites...no avesso de mim
Sou a pausa...entre o instante e o
tempo...o entardecer
Num sorriso de tristeza...nesta
ausência...quero ficar assim
Deixem-me neste mar de
solidão...deixem-me assim morrer
Deixem-me ficar
assim...estilhaçada...amordaçada
Não me vejo...não me tenho...não me
quero...morri
Vazios os braços...as cinzas...o
Inferno...o nada
Parei o tempo...esqueci a vida...de mim
me perdi
Não quero mais poemas...nem
palavras...nem tempo
Nem olhares...nem dia...nem
noite...apenas lágrimas
Nem memórias...nem luz...nem
sombras...só lamento
Não quero espelhos...nem olhares
vazios...só mágoas
No vazio do silêncio...a luz e a
sombra...a lágrima
As vozes caladas...na solidão...o
momento esquecido
O entardecer...paisagem sombria da
minha mágoa
Os escombros...a treva... no meu corpo
anoitecido